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Um exemplo de vida!

Assim pode ser definido o perfil desta mulher que fez e faz a sua história em um aprendizado nos mais variados sentidos. A arte de ensinar e de escrever está em sua alma e no seu coração.
31 de Agosto de 2013 às 00:14min
    
Tubaronense de alma, Maria Felomena Souza Espíndola, de 72 anos, conhecida como a professora Mariazinha, nasceu em Grão-Pará. Em 1950, a família veio morar na Cidade Azul, pois os pais - a mãe nasceu em Tubarão e foi professora - queriam que os filhos continuassem os estudos. Mariazinha é casada há 46 anos, uma união que lhe deu três filhos e três netos. Possui formação em letras pela antiga Fessc (hoje Unisul). Depois, concluiu o mestrado em Literatura Brasileira na Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), em Florianópolis. Possui 35 anos de atuação como professora no curso de letras, na Unisul, em Tubarão. No Colégio São José foram 32 anos. Também lecionou na Escola de Educação Básica Visconde de Mauá e no Colégio Senador Francisco Benjamim Gallotti. Ainda exerceu a sua profissão no Colégio Santa Rosa, em Lages, onde começou a ensinar, e no Colégio Coração de Jesus, na capital.
 
Mirna Graciela
Tubarão
 
Notisul – A senhora tem um longo período de atuação na área da educação, especialmente como professora. Quando resolveu parar?
Mariazinha - No dia em que fez 50 anos a contar da primeira aula que lecionei. Parei exatamente em 1º de março de 2011. Já tinha me preparado e, nesta data, deixei a Unisul. A aposentadoria estava programada. Coincidiu que, em 2010, quando ainda trabalhava, estava com a doença de Parkinson. Então já tremia um pouco. E, quando parei, parece que acelerou mais a doença. Agora, realmente eu não teria mais como estar na sala de aula. Sinto muitas saudades. Teria muita vontade de continuar. No ano passado ainda consegui dar aula de catequese e crisma, mas neste ano não consegui mais, pois a doença estava mais fragilizada. 
 
Notisul – E hoje, com um olhar no passado, há algo para ser dito?
Mariazinha – Muitas coisas. Ficaríamos aqui bastante tempo. Tudo o que vivi como professora e por onde passei foi um tempo de muita gratidão. Agradeço a Deus por tudo. Muitos acertos e erros também, pois quando revemos a nossa carreira identificamos os vários lados. Nisso eu poderia ter feito diferente, naquilo eu deveria ter agido assim. Mas sempre pensei que nada era definitivo. Como professora, não é porque trabalhava há muitos anos que me considerava pronta. Sempre olhei para os mais jovens para conhecer as novidades que traziam. Procurei me atualizar constantemente para não ficar à mercê do tempo. Quando as novas tecnologias chegaram também me interessei - tive que entrar na dança - para não ficar para trás. 
 
Notisul – Com grande experiência nas redes pública e particular, há distinção entre os dois?
Mariazinha - Com toda a franqueza, não via diferença. Tive alunos excelentes em ambos, assim como os com problemas. Não se pode dizer que a escola pública é de crianças menos favorecidas. Vi alunos de periferia exemplares, inclusive de famílias desajustadas. Isso também se encontra na rede particular. Os problemas não são muito diferentes. Os de desvio de comportamento, de práticas autodestrutivas, dependência química. Quanto ao lado do professor, às vezes pensamos: na escola pública não dá de fazer isso... Mas podemos realizar sim, basta querer. Hoje há investimentos. Existem escolas públicas onde cada um tem um computador à sua disposição em sala de aula, é fantástico. Isso também depende muito de quem está como gestor naquela unidade. Que sabe como procurar as coisas, arranjar formas de reinventar o espaço da instituição.
 
Notisul – Como aluna do curso de letras na antiga Fessc (hoje Unisul) e, depois, como professora universitária, qual a sua avaliação?
Mariazinha – Fiz parte da primeira turma do curso quando começou, em 1970. Sempre achei um espaço extremamente proveitoso, como aluna e professora, a minha paixão. Não posso aceitar que a gente não o tenha mais com todo vigor de antes. Isso é uma pena. Não há mais busca, as pessoas não se inscrevem mais para as licenciaturas. No magistério, o professor encontra muitos problemas. Muitos pensam nas barreiras e desistem. A desvalorização da carreira, a violência nas escolas... O aluno não tem mais aquele respeito de antigamente. Não chegava a ser um medo, mas era uma obediência diferente. É muito difícil alguém desejar ser professor. Atribuo isso ao contexto social da atualidade, não é somente nas escolas públicas, é de todas as instituições, que têm enfrentado dificuldades.            
 
Notisul – Já que foi citado sobre a violência nas escolas, qual o seu ponto de vista sobre isso? 
Mariazinha – Atribuo muito à droga e ao desajuste das famílias. É claro que não temos mais aquele modelo da instituição, algo seguro. Na realidade, muitas pessoas ficavam casadas, não havia afeto e viviam de aparência. Hoje, isso mudou, as coisas têm que ser verdadeiras. Quando dou alguma palestra, sempre digo: o casal pode se separar, mas não deve nunca tirar o pé da estrada de seus filhos. E não precisa ficar com rivalidades, pois continuam pai e mãe. É um laço para o resto da vida. Então é um novo modelo de família, que precisamos aprender a conviver. Nessa transição, as crianças e os jovens acabam abandonados, às vezes em si mesmos. Tive alunos criados por avós porque a mãe ou o pai sumiu no mundo, isso tudo traz muito desajuste. Nessa geração há também os pais usuários de drogas. Convivi e desenvolvi projetos com adolescentes infratores. Atuei como voluntária no antigo CIP, em Tubarão. Também no curso de letras colocávamos o aluno em contato com essa realidade porque ele também encontraria este perfil em na sala de aula. Fala-se muito em atenção ao estudante com necessidades. Mas não são somente as de ordem auditiva, visual e motora. A afetiva e de dependência química, para mim, são as piores. O infrator é uma pessoa doente que não conseguimos dar atenção o suficiente. É uma doença com todo o contexto de rejeição. Em muitas situações, a própria família o trata como um bandido. Os colegas se afastam porque não podem andar junto, é mau elemento. A pessoa fica excluída. A droga é um câncer dos mais terríveis. 
 
Notisul – O que poderia ser feito para combater tudo isto?
Mariazinha – É necessário que haja realmente uma efetiva política de tratamento aos dependentes químicos. Também é preciso dar atenção e formação aos pais de hoje. Os adultos têm que tomar consciência de que colocar um filho no mundo é uma responsabilidade muito grande. Esse menino que dizem ter matado os familiares, será que ele não deu sinais? Dizem que o garoto brincava com jogos de violência. Penso assim... Por que surgem esses tipos de vídeo? Na realidade não é brinquedo, mas sim educação para o crime, pois estimula para isso. Fico preocupada quando se noticia um crime com muitos detalhes, pois quem gosta vai pegar mais uma ideia para uma chacina ou algo parecido. Comparo assim. Gosto muito de cozinhar. Então se vejo um programa com uma receita que me atrai, vou querer copiá-la. Da mesma forma, quem já tem uma tendência para a criminalidade e vê algo bem descrito, vai querer imitar. É um efeito dominó. 
 
Notisul – Como professora, a senhora passou por alguma situação constrangedora?
Mariazinha – Não tive grandes problemas, graças a Deus. Somente uma vez, em um curso noturno. Um aluno adulto levantou. Acho que estava revoltado naquele dia. Ele disse que eu e um zero dando aula eram a mesma coisa. O deixei falar tudo o que queria. Perguntei se tinha terminado e passei um trabalho para a turma. Tive que improvisar para sair e dar uma choradinha, pois não aguentava mais. Depois voltei para a sala e continuei a minha aula. Aquilo me derrubou na hora. Quando pensei que fosse me ver em uma situação dessa? Minha vontade era de não voltar mais para aquele grupo. Mas pensei que ali eu precisava estar e fiquei até o fim daquele ano. Aprendi com uma pessoa que disse: quando tiverem uma turma difícil, façam um processo de amorização. Digam em silêncio: amo muito vocês, quero o bem de todos. Isso vai acalmar e trazer uma boa energia.
 
Notisul – Muitos pais acham que a educação deve ser de responsabilidade dos educadores. Qual sua opinião? 
Mariazinha – A educação é do berço. É um processo de comunhão entre a família e a escola. E as famílias não vão às escolas. Sei, porque às vezes a instituição planeja boas coisas, convida, e é o mínimo de pessoas que comparecem. Às vezes, justamente, aquele aluno que mais precisaria, seus pais não vão a uma reunião, nem mesmo a uma festinha. Então falta esta valorização. A família não pode educar sozinha, nem a escola. É necessário haver essa junção para que a gente desenvolva uma boa educação de nossos filhos e alunos.   
 
Notisul – Já que a senhora participou do processo educacional em Tubarão, como o vê hoje, inclusive da universidade?
Mariazinha – A Fessc era pequenina. Hoje cresceu bastante. Tubarão não pode perder a Unisul, pois é o bem querer da cidade, é a menina dos olhos e preciosa. Precisamos dar muito valor e apoio para que, nas dificuldades, que também são grandes, consiga se manter firme, expandir, estar entre nós e gerar o que tem produzido. A Unisul trouxe muita visibilidade ao nosso município, assim como crescimento humano e empresarial. Tubarão era uma antes e outra depois da Unisul. Já perdemos tantas coisas.
 
Notisul – O trabalho de escritora também consta em seu currículo?
Mariazinha – Sim, escrevo ficção, poesia, críticas literárias. Tenho um livro publicado, que foi um projeto com as alunas, uma pesquisa com histórias que ouvimos de pessoas idosas, da cultura oral de Tubarão. Tenho publicações on-line no Recanto das Letras, com o pseudônimo de Mariazinha. Também publicações esparsas em revistas e jornais, como, por exemplo, os artigos. Nossos retratos de Tubarão, uma antologia que vamos lançar em novembro, é muito interessante, nossa homenagem ao centenário de nosso artista Willy Zumblick. Também sou da Academia Tubaronense de Letras, que completou 13 anos nesta quinta-feira. Fizemos uma programação mais especial. Faço um trabalho de assessora cultural, mas não ficamos somente lá dentro, vamos às escolas onde proferimos palestras e as crianças também são levadas pelos professores na sede da academia.
 
Notisul – O que falar sobre Tubarão? 
Mariazinha – Amo demais esta cidade. Gostaria de vê-la próspera. Fiquei muito contente quando ouvi nesta semana que haverá uma reestruturação das praças. A gente espera que isso ocorra. Preocupo-me muito também com o meio-ambiente, fico contrariada quando vejo tanto lixo jogado. Sei que não é culpa do poder público, acho que o povo tem que se educar, amar mais a cidade. Gostaria de ver um destino para o Cine São José, em Oficinas. Quem viveu em outras épocas tem saudades daquele tempo. Era bonito, assistíamos aos filmes, namorávamos.
 
Notisul – Qual conselho a senhora daria aos novos professores? 
Mariazinha – Aos jovens professores digo que o Brasil está nas mãos deles. Que não desanimem e, apesar de toda a luta, tenham confiança em si, acreditem em seu valor que as coisas vão caminhar para a frente. O professor tem que se achar uma pessoa importante na sociedade.
 
Notisul – E aos jovens que vão prestar o vestibular e ainda não sabem que curso, que profissão escolher? 
Mariazinha – Primeiro, que os pais não pressionem seus filhos. Em certos casos, a família também parece querer decidir. O jovem deve escolher uma profissão que ele será feliz. Não adianta nada um trabalho glamoroso ou porque tem mercado e dá dinheiro. Não é somente isso. Tem que existir a vocação para ser um bom profissional. Claro que também temos que olhar a parte de sobrevivência, no entanto, tem que ser dentro daquilo que o faça feliz. Não posso me tornar um profissional amargurado, tem que vibrar com o que se faz.
 
Mariazinha por Mariazinha
Deus - Raíz de tudo, fonte de vida.
Família - É o alicerce.
Trabalho - Prazer e não flagelo.
Passado - Muita saudade.
Presente - Bom, que continue assim.
Futuro - Deus é quem sabe. 
 
"Não é querer o tempo antigo. É trazer para a modernidade algo necessário. É uma questão existencial. Preciso de motivos além da minha vida para entender o seu sentido. Então, preciso de Deus para vencer nas dificuldades. E são muitas, há inúmeras coisas bonitas, mas também existem os obstáculos. Às vezes me perguntava: por que corro tanto? Tínhamos mais tempo com a família. Hoje, isso mudou. O consumismo também. É esta sociedade do ter. E pagamos um preço. O desamor que começa a reinar... As pessoas se isolam à noite. Quem fica mais junto para conversar? Cada um vai para o seu quarto. Ali tem um computador, a televisão e assim vai. Não se conversa mais cara a cara em função das redes sociais. Acho muito bom que tudo isso exista, mas tem que ter medida. O progresso é bom e necessário. Eu também não queria voltar ao tempo antigo, quando lavávamos roupa no tanque, e tudo mais. Mas, a tecnologia tem que estar ao nosso serviço e não nós a serviço dela".
 
"Cada aula é uma aventura porque por mais que a gente a prepara, sempre tem um imprevisto, pois lidamos com seres humanos".
 
"A cultura e a arte renovam a vida de cada um”.

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