O que há alguns anos poderia ser o tema para um
livro de ficção científica já é realidade há algum tempo. A visão da Organovo
estava em produzir uma impressora 3D capaz de providenciar tecidos vivos sob
encomenda de forma a ajudar na resolução de um problema mundial, a escassez de
órgãos humanos para cirurgias.
A startup norte-americana, então, realizou
parcerias com outras empresas de produtos e automação e softwares para
transformar o conhecimento em produto. Assim nasceu a primeira bioimpressora 3D
para tecidos vivos. A máquina é composta por dois braços robóticos que movem
duas cabeças de impressão de alta precisão.
A ideia é que uma dessas cabeças seja preenchida
pela “tinta” com células humanas, enquanto a outra possua hidrogel, material de
sustentação ou de criação da matriz. O maior desafio durante a criação do
produto foi ajustar as agulhas para que fossem capazes de despejar a tinta com
a precisão de mícrons de maneira constante.
Para isso, foi montado um sistema controlado por computador
de calibragem a laser, para obter a exatidão necessária repetidas vezes. Porém,
enquanto a parte de engenharia envolvida no procedimento é extremamente
complexa, a operação da máquina foi desenvolvida para ser simples e intuitiva,
sendo necessário que o operador “desenhe” o modelo a ser construído.
Por isso, até o momento, os produtos criados por
meio dela servem especialmente para o estudo dos efeitos de novos medicamentos.
Como são os
resultados
Os tecidos criados pela bioimpressão, especialmente
no que diz respeito àqueles que contêm múltiplos tipos de células, podem ser
utilizados em vários campos. Entre eles, podemos citar oncologia, biologia
experimental e desenvolvimento de células-tronco, cardiologia e hepatologia,
por exemplo.
Até o momento, a técnica desenvolvida para a
impressão permite apenas criar modelos mais grossos que sejam capazes de
simular aspectos-chave de tecidos vivos nativos. Além disso, eles são criados
sem qualquer tipo de dependência com relação aos componentes do hidrogel ou o
mecanismo de sustentação integrado.
Os tecidos possuem atividade celular altamente
organizada, como apresentado nas células de canais vasculares ou junções
intercelulares. Como o processo de impressão é extremamente preciso, há um
controle exato do tecido e da geometria desejada. Inclusive, como eles podem
ser fabricados com uma grande variedade, a necessidade de manipulação para
produzir variações é reduzida.
Os tecidos criados por meio da bioimpressão são
mais responsivos e interativos do que o mecanismo de culturas 2D atual.
Ademais, no ambiente na qual as células desenvolvidas são armazenadas, é
possível induzir doenças para estudar o seu desenvolvimento. Da mesma forma,
esse método deixa mais simples estudar a eficácia de um medicamento, o seu
tempo de ação e possíveis efeitos colaterais apresentados nos órgãos humanos.
Assim, diversos tratamentos podem ser estudados em
tempo real, verificando a sua viabilidade e se são seguros para a aplicação em
pessoas.
Como é feita a
impressão de um tecido vivo
O primeiro passo no processo de bioimpressão
consiste na identificação do material-chave para a composição das células
presentes no tecido-alvo. Ademais, também é necessário criar o design que será
utilizado pela impressora para gerar o tecido de forma que ele seja capaz de se
sustentar em ambiente de laboratório.
Concluída essa etapa inicial, o próximo passo
consiste em desenvolver os protocolos necessários para criar a “bio-ink” (ou
“tinta biológica”, em uma tradução livre), responsável pela construção
multicelular. Eles devem possuir componentes celulares correspondentes ao tipo
de tecido que será produzido.
A impressão de um tecido representando um fígado,
por exemplo, funcionaria da seguinte forma: primeiro, os engenheiros
responsáveis carregam uma seringa com a bio-ink, composta por milhares de
células parenquimatosas (ou seja, aquelas que possuem a função principal de um
órgão) específicas de fígado.
Então, uma segunda seringa também é carregada com
“tinta biológica” contendo células vivas de fígado (mas essas não são
parenquimatosas) responsáveis por sustentar o crescimento celular e, em alguns
casos, um hidrogel neutro. A função desse último componente é suportar os
tecidos, que são construídos verticalmente para adquirirem três dimensões.
Da mesma forma, o hidrogel também pode ser
utilizado como “preenchimento”, de forma a criar canais ou espaços vazios
dentro dos tecidos, para simular características reais. Em seguida, um programa
presente em um computador conectado à impressora manda instruções para que um
motor móvel preso ao braço robótico se mova e abaixe a cabeça responsável por
bombear o conteúdo da segunda seringa.
Feita essa parte, é iniciada a impressão de um
molde que tem o padrão semelhante a três hexágonos de uma colmeia. Enquanto
isso, um sensor do tamanho de uma caixa de fósforos, presente ao lado da
superfície de impressão faz a triangulação dos movimentos das pontas de cada
uma das seringas enquanto elas se movem pelos eixos X, Y e Z.
Tendo como base essa localização, o programa
determina o local no qual a primeira agulha deve estar posicionada. Então, o
braço robótico desce a cabeça responsável por bombear a tinta, com a primeira
seringa, que preenche o conteúdo dos hexágonos criados com as células
parenquimatosas.
Concluído o processo, os engenheiros removem a
placa de alvéolos na qual foi realizada a impressão. Ali, estarão presentes até
24 microtecidos com 250 mícrons de espessura. Por último, a placa de alvéolos é
colocada em uma incubadora, onde as células realizarão a fusão para formar o
padrão referente a um tecido hepático.
Quais tecidos já
foram impressos
A tecnologia NovoGen Bioprinting já é capaz de
criar uma grande variedade de tecidos que representam muitos órgãos. De uma maneira
geral, é possível dizer que a bioimpressão combina engenharia e biologia para
atingir esse objetivo, incluindo estudos avançados do comportamento das células
nativas.
Por montar tecidos a partir de “blocos de
construção” multicelulares e em três dimensões em vez de usar um material já
pré-formado como apoio, os resultados contêm a densidade correta desde a
fabricação até o uso final. Além disso, a replicação das relações celulares
pode ser reproduzida da mesma forma como aconteceria no modelo biológico.
Até o momento, a companhia foi capaz de reproduzir
diversos tecidos, incluindo hepáticos, ósseos e musculares esqueléticos, além
de vasos sanguíneos e pequenas vias aéreas. Para cada um dos modelos foi
utilizado um tipo de tinta biológica diferente, compatível com o tecido a ser
reproduzido.
O que o futuro
reserva
Até o momento, a impressora citada é capaz de criar
apenas tecidos que simulam a experiência de lidar com determinado órgão. Por mais
simples que isso possa parecer, já representa um grande avanço, oferecendo uma
alternativa para o teste de novos medicamentos, além de auxiliar no estudo de
doenças e soluções efetivas para o seu combate.
A ideia de criar órgãos completos, no entanto,
ainda está distante, especialmente porque há muitos desafios que precisam ser
vencidos. Primeiro, está o fato de os tecidos serem criados a base de células,
que necessitariam de doadores, por exemplo. Além disso, há uma grande diferença
entre montar um sistema interligado e células que funcionam de maneira isolada.
Da mesma maneira, também é necessário cuidar de outras questões, como o local para o desenvolvimento de tais órgãos. Isso sem contar mais uma série de protocolos e questões técnicas (e tecnológicas) que seriam necessárias para tornar o seu uso possível. Ainda assim, esse pode ser considerado um primeiro passo – e a quebra de vários paradigmas e barreiras.
Fonte: Organovo, Invetech, Popular Science, 3D Printing Industry
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